Por Gabriela Calderón
Se o Secretário Geral da OEA passou uma semana exigindo aos quatro ventos que Manuel Zelaya volte à presidência de Honduras, também passou mais de quatro anos ignorando a erosão da democracia na Venezuela (e em outros países de que não tratarei, por falta de espaço).
Consideremos apenas o que aconteceu neste país na última semana: um prefeito privado de 90% dos recursos da maior prefeitura de Caracas — cargo para o qual foi eleito pela maioria dos habitantes — fez uma greve de fome de cinco dias diante da sede da OEA em Caracas [1]. No mesmo dia em que iniciou a greve, o governo venezuelano anunciou que 240 frequências de rádio AM e FM poderiam ser revertidas para o Estado por “não atualizar seus dados junto ao CONATEL”, e que outros meios sofreriam sanções por difundir publicidade em defesa da propriedade privada [2].
Imaginemos que pela manhã o Congresillo promulgue uma lei que crie uma autoridade paralela à prefeitura de Guayacquil e logo depois outra lei transferindo até 90% dos recursos a esta nova autoridade. Para efeitos práticos, o alcaide eleito pelos guayaquilenhos seria substituído por outro, escolhido a dedo pelo Poder Executivo. Foi isso que aconteceu na Venezuela, onde a vontade dos venezuelanos é ignorada sempre que não está de acordo com a revolução chavista.
Enquanto Chávez exige a volta de Zelaya a Honduras, ameaçando até mesmo tomar medidas bélicas contra o governo interino, seu governo na Venezuela continua perseguindo as vozes independentes. CEDICE e ASOESFUERZO, duas organizações privadas e sem fins lucrativos, colocaram em diversos meios de comunicação anúncios em defesa da propriedade privada. Em muitos deles, cont-se uma história de êxito pessoal, de como uma pessoa, com trabalho e esforço, conseguiu melhorar a vida de sua família [3]. Em outro anúncio, o projeto de Lei de Propriedade Social discutido na Assembléia Nacional é comparado a uma lei similar de Cuba. Tudo isso seria normal em uma democracia pluralista em que se respeita a diversidade de critérios. Porém, na Venezuela isso é considerado uma ameaça. Diosdado Cabello, Ministro de Obras Públicas e Habitação, abriu um processo administrativo contra as empresas que transmitiram os anúncios, com o pretexto de que a publicidade é “enganosa” e faz “o coletivo” crer que os direitos de propriedade estão ameaçados ou não estão assegurados [4]. Segundo a Globovisión, uma das empresas ameaçadas, as mensagens em questão “constituem o exercício legítimo da liberdade de expressão dos cidadãos que formam estas organizações, os quais estão em seu perfeito direito de determinar, segundo seus critérios, se o direito de propriedade está assegurado ou não na Venezuela” [5].
Tem razão. Mas os “democratas” que tanto clamam por democracia e Estado de Direito em Honduras são cegos, surdos e mudos quando se trata da Venezuela ou de qualquer outro país com um governo bolivariano de esquerda.
Notas
[1] “Ledezma solicita recursos a Banco Mundial para Caracas”. El Universal. 23 de junho de 2009. Disponível em: http://www.eluniversal.com/2009/06/23/ccs_art_ledezma-solicita-rec_1444271.shtml.
[2] “Sancionarán a medios de comunicación que divulgaron mensaje de CEDICE”. El Universal. 4 de julho de 2009. Disponível em: http://deportes.eluniversal.com/2009/07/04/pol_art_sancionaran-a-medios_1460073.shtml.
[3] Anúncios do CEDICE disponíveis em: http://www.cedice.org.ve/detalle.asp?id=2393.
[4] “Sancionarán a medios de comunicación que divulgaron mensaje de CEDICE”.
[5] “Ministerio Público solicita suspender avisos de CEDICE”. El Universal. 7 de julho de 2009. disponível em: http://www.eluniversal.com/2009/07/07/pol_art_ministerio-publico-s_1462982.shtml.
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