Por Durval Lourenço Pereira Jr.
Fosse dada ao filósofo Aristóteles a oportunidade mágica de ler e compreender um livro didático da história brasileira, o notável grego reconheceria, em plena narrativa escolar, inúmeras semelhanças à tragédia clássica.
Segundo Aristóteles, a tragédia clássica deve cumprir três condições: possuir personagens de elevada condição (heróis, reis, deuses), ser contada em linguagem elevada e ter um final triste, com a destruição ou loucura de um ou vários personagens, sacrificados por seu orgulho na rebelião contra as forças do destino.
Na descrição dos fenômenos históricos, empreendida pela historiografia oficial, estão presentes ao menos duas dessas condições: a presença de heróis e o respectivo sacrifício pelas forças do destino. A terceira condição: a linguagem erudita, só não é utilizada face a natural dificuldade da sua compreensão pelas crianças e os mais jovens. Já os finais melancólicos são copiosos, nos levando a enxergar o passado com uma injustificada vergonha e tristeza. Quase sempre com revolta.
Tal enfoque depreciativo aparenta ser uma característica singular da cultura nacional. O dramaturgo Nelson Rodrigues o identificou no passado, apelidando-o de “Complexo de vira-latas”.
Por outro lado, não é preciso ter vivido no exterior para perceber como um educador norte-americano, inglês ou europeu, a mídia e as Instituições interpretam os fenômenos históricos e os transmitem às novas gerações, seja nas escolas ou na produção audiovisual. Exemplos desse modelo interpretativo chegam até nós pelos filmes do cinema, em especial.
Jamais assisti uma produção hollywoodiana que houvesse menosprezado os heróis-patronos do processo de Independência americano, a abolição da escravatura ou mesmo a participação do País na II Guerra Mundial. Muito pelo contrário. Tais episódios são particularmente reverenciados.
Já no Brasil, a mídia tem pouco interesse em reproduzir temas históricos, e quando a trata de abordá-los, geralmente o faz sob uma ótica trágico-depreciativa: Carlota Joaquina, de Carla Camurati; Rádio Auriverde e a Guerra do Brasil, ambos de Sylvio Back, são (deploráveis) exemplos dessa abordagem.
Uma vez apresentado ao cinema nacional, é pouco provável que Aristóteles identificasse heróis em nosso repertório tupiniquim. Maravilhado pela fabulosa tecnologia, olhos pregados à tela, o sábio procuraria ansioso por heróis do quilate de um Ulisses, um Heitor, ou um Aquiles. Mas ficaria decepcionado. Assistiria a filmes melancólicos como “Olga”; “Zuzu Angel”; “O que é isso Companheiro ?”; “Lamarca”; “Vlado”; “Batismo de Sangue”; “Caparaó”; “Araguaya”; “ Cabra Cega”; “Hércules 56”. Neles, o sábio veria um desfile infindável de falsos heróis, vítimas das “forças do destino” — como na tragédia grega. Heróis eleitos não pela dimensão dos seus feitos, mas pela ideologia que comungam.
Porque o sistema educacional brasileiro apresenta o nosso passado com tamanha carga negativa ? Porque a produção audiovisual reconstitui a História utilizando elementos similares aos da tragédia grega ? Existem outros objetivos por trás dessa trama ?
A resposta a tais questionamentos depende da compreensão dos fatos e da interconexão dos seus vetores num contexto mais amplo. Um contexto ligado intimamente à natureza humana. Assim sendo, nada melhor relembrar um pouco da obra de grandes pensadores e escritores, como Maquiavel, Aldous Huxley e Aristóteles, para melhor compreender os instrumentos que o ser humano utiliza para manipular os seus semelhantes.
Nicolau Maquiavel popularizou a mais antiga estratégia para derrotar o inimigo sem o uso das armas: a ruína da reputação alheia. Maquiavel recomendava, para tanto, o uso da calúnia e da difamação.
No campo político, em particular, essa estratégia mostrou-se extremamente eficaz. Porém, quando se buscavam objetivos mais amplos, como a mudança dos valores morais, éticos e religiosos — incluindo profundas mudanças na estrutura política e econômica de toda uma sociedade —, solapar a imagem dos adversários políticos não bastava. Era preciso intervir na estrutura educacional. Era preciso doutrinar as indefesas mentes infantis para que aceitassem, sem questionamentos, determinados conceitos futuros. Aldous Huxley na obra: “O Admirável Mundo Novo” já descreveu tal estratégia. Uma ação sobretudo covarde. Mas eficiente.
Encastelados nos círculos universitários brasileiros, tradicional reduto ideológico da esquerda, pseudo-educadores engajados na doutrinação marxista, estabelecem currículos e decidem sobre a indicação dos livros escolares para o ensino fundamental, médio e superior. Outros falsos intelectuais, em posições chave nas secretarias estaduais de educação, encomendam milhões de livros escolares para distribuição aos alunos da rede pública. Completa-se, então, o ciclo perverso que faz chegar aos jovens o livro didático politizado: veículo da doutrinação ideológica. O jornalista Ali Kamelem seu artigo “ O que ensinam às nossas crianças”, levou este fato ao conhecimento público, provocando um imenso rebuliço na comunidade acadêmica.
Sob o falso manto de uma suposta visão pluralista do processo histórico nacional, os currículos escolares são direcionados para denegrir a nossa história e os seus verdadeiros heróis. Esse exorcismo coletivo — e seletivo — exclui, difama ou minimiza dos currículos escolares a memória dos vultos nacionais, em particular a dos militares, como o Duque de Caxias, Osório, Tamandaré, Maria Quitéria ou mesmo a trajetória da Força Expedicionária Brasileira (FEB), na II Guerra Mundial.
Hoje, por exemplo, um colegial mediano surpreende-se ao saber que soldados brasileiros lutaram contra o nazi-fascismo. O jovem desconhece o tema não por uma deficiência intelectual ou mesmo pela qualidade do estabelecimento de ensino onde estuda, mas porque a trajetória da FEB foi suprimida dos currículos e, por conseguinte, não aparece nos livros escolares.
Em contrapartida, esse mesmo estudante aprende que a nossa evolução política e econômica foi “manipulada” ao longo da sua história, ora pelos portugueses, ora pelos ingleses e hoje pelos norte-americanos. Aprende que a política econômica brasileira é falha porque obedece aos ditames do “malvado” capitalismo e das grandes corporações.
Os seus “heróis” pertencem à “população oprimida” da Campanha do Contestado, da Balaiada, da Cabanagem ou de Canudos. No século XX, sob a influência do cinema nacional, os seus novos “heróis” são os perseguidos políticos e até mesmo alguns terroristas que pegaram em armas contra o Regime Militar. Todos vitimados pelas “forças do destino”.
O sábio Aristóteles não se preocupou em estabelecer qualquer teoria sobre a tragédia, nem se concentrou nos aspectos técnicos do espetáculo, mas no comportamento do público. Concluiu que o espetáculo trágico para realizar-se como obra de arte deveria sempre provocar a Katarsis, a catarse, isto é a purgação das emoções dos espectadores. Assistindo às terríveis dilacerações do herói trágico, sensibilizando-se com o horror que a vida dele se tornara, sentindo uma profunda compaixão pelo infausto que o destino reservara ao herói, o público deveria passar por uma espécie de exorcismo coletivo. Atribui-se à concepção de Aristóteles, que associa a tragédia à purgação, ao fato dele ter sido médico, o que teria contribuído para que ele entendesse a encenação dramática como uma espécie de remédio da alma, ajudando as pessoas do auditório a expelirem suas próprias dores e sofrimentos ao assistirem o desenlace.
Mas qual é, afinal de contas, a relação entre a tragédia grega e a postura educacional e cinematográfica brasileira ? Simples: as frustradas tentativas marxistas de tomada do poder, em 1935 e em 1964, fracassaram exatamente por lhes faltarem o respaldo popular — tradicionalmente avesso à ideologia esquerdista. Seus atuais mentores parecem ter aprendido a lição: perceberam que para mudar a sociedade em seus valores básicos, deveriam moldar as novas gerações de acordo com determinados dogmas, solapando os valores básicos da família e reescrevendo a História do Brasil sob um prisma depreciativo, de forma a fazer eclodir no público, tal qual na tragédia grega, a catarse coletiva.
Uma vez manipulada a história nacional, segundo a ideologia marxista, falta ainda modificar os valores históricos e profundamente enraizados no povo brasileiro.
O homem brasileiro possui certas virtudes que faltam a muitos povos. É tradicionalmente um povo amante da paz, fraterno, ordeiro, com profundo sentimento religioso e de nacionalidade. Um povo sempre disposto a resolver seus conflitos internos e externos de forma pacífica. Graças a essas virtudes, evitamos convulsões sociais catastróficas. Mantivemos a integridade territorial após a Independência; abolimos a escravidão; derrubamos a Monarquia e estabelecemos a República. Na qualidade de maior potência bélica regional, nunca adotamos uma política externa imperialista. Mesmo as nossas revoluções foram resolvidas com derramamento mínimo de sangue.
Para mudar este quadro, é preciso lançar no seio da sociedade o vírus da discórdia e da contestação dos valores da familiares, éticos e religiosos. A televisão, como formadora de opinião, tem participação intensa nesse processo, particularmente com a dramaturgia das novelas e sua temática cada vez mais ousada e libertina. A todo momento afloram na mídia uma série de novas “questões sociais”: como a do “beijo homossexual”; da liberação do uso de drogas; da “luta em defesa das minorias”; sem-terra, sem-teto, negros, indígenas, homossexuais, e por aí vai. Quem por acaso acompanhar as constantes passeatas e manifestações públicas que envolvem tais questões, há de perceber a grande quantidade de bandeiras de partidos políticos. Quase todas na cor vermelha, é claro.
Num país com tamanha desigualdade social, como no Brasil, o desejo de mudança na sociedade é algo benéfico e que deve ser buscado com o intuito de aperfeiçoá-la, mas jamais aviltando o sangue dos nossos antepassados. “Conspira contra a própria grandeza o povo que não cultiva os seus feitos históricos”. Uma frase que resume uma verdade histórica, pois não se tem notícia de um país verdadeiramente desenvolvido que se abstenha de promover o orgulho nacional em sua população. A motivação psicossocial é silenciosa. Mas tremendamente poderosa.
A tragédia é o maior legado literário deixado pela cultura grega. Já a interpretação dos fatos históricos, estabelecida por boa parte dos livros escolares de História do Brasil, é uma pavorosa tragédia educacional. Uma tragédia que busca deflagrar a catarse coletiva necessária ao sucesso dos anseios marxistas. E é exatamente na escola o lugar onde a doutrinação se torna mais nociva, pois é direcionada ao que temos de mais importante: a educação e a formação do caráter das nossas crianças.
Quando alguém me perguntar se o que foi dito anteriormente pode ser visto como devaneio ou alguma “teoria da conspiração”, responderei que a resposta deve ser buscada segundo o julgamento individual. Mas, antes de bater o martelo, o inquisidor deve consultar o que andam ensinando aos seus filhos.
Um comentário:
Vamos ver o que nos reserva o filme sobre a vida do Lula,a ser lançado em 2010.Mais um herói no estilo de Macunaíma.
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