Por Benedict Mander
Financial Times
UOL Notícias
Enquanto Yenny Gonzales se inclina para encher um balde numa fonte de água mineral que desce pelo morro até uma rua esburacada na periferia de Caracas, ela admite que esta pode não ser a fonte de água mais conveniente, mas pelo menos é confiável.
Há mais que pode ser dito sobre o sistema público de água da cidade. Os venezuelanos da capital estão se preparando para um racionamento drástico à medida que os serviços públicos deste país rico em petróleo entram numa crise cada vez maior, ameaçando prejudicar o apoio ao presidente Hugo Chávez.
O fornecimento de água deverá ser cortado por até 48 horas por semana em Caracas a partir de segunda-feira, possivelmente até maio ou junho do ano que vem. O racionamento de energia também começa esta semana, com o intuito de reduzir o consumo nacional em 20%.
Yenny expressa indiferença quanto ao racionamento de água: há mais de um mês ela não tem água encanada em seu barraco na favela acima de Caracas.
"Mas estou definitivamente preocupada com os blecautes", disse, "nunca foi assim".
O líder populista da Venezuela diz que o racionamento de água é resultado da maior seca dos últimos 40 anos, que também intensificou o problema dos blecautes. O país depende de hidrelétricas para gerar cerca de três quartos de sua energia e os reservatórios estão em seus níveis mais baixos. O aumento do consumo por conta do alto crescimento econômico exacerbou o problema, diz ele.
Alguns críticos dizem que, apesar de a Venezuela ter sido inundada pela riqueza do petróleo nos últimos anos à medida que os preços da energia subiram, a raiz do problema está na persistente falta de investimentos para manter e expandir as redes de água e luz.
Eles também apontam para a má administração crônica, a falta de planejamento e a corrupção. Além disso, as tarifas congeladas não incentivaram a população a economizar água ou luz.
Chávez está pedindo aos venezuelanos que desperdicem menos: eles deveriam tomar banhos de apenas três minutos, desligar os aparelhos de ar condicionado e as televisões e luzes quando não estão em uso, diz ele. E acrescenta que os ricos são os maiores culpados e ameaça cortar o fornecimento de energia num emblemático shopping center.
O eloquente líder venezuelano, que lidera o que ele chama de "revolução bolivariana" e pretende criar um "novo homem", também criticou as pessoas que passam meia hora cantando no chuveiro. "Eu contei: três minutos são mais do que o suficiente, e eu não cheiro mal, posso garantir. Um minuto para se molhar, outro para se ensaboar e o terceiro para se enxaguar. O resto é desperdício", disse Chávez, elogiando as qualidades benéficas dos banhos frios.
Poucos venezuelanos deixam de perceber a ironia de que a falta de água e luz estão acontecendo num país do qual Chávez frequentemente se vangloria por ter reservas de petróleo maiores do que as da Arábia Saudita, assim como um dos maiores sistemas fluviais da América do Sul, que foi explorado para construir a terceira maior central hidrelétrica do mundo.
Muitos continuam duvidando das tentativas de Chávez de se livrar da responsabilidade pela falta de água e luz, atribuindo os problemas ao fenômeno climático conhecido como El Niño.
"Esta não é a raiz do problema", diz Norberto Bausson, diretor do Instituto Municipal de Água e Aquedutos de Sucre, uma prefeitura controlada pela oposição no leste de Caracas. Ele diz que o racionamento foi causado pelo aumento na demanda por conta do crescimento populacional e do aumento do consumo per capita, enquanto que a ausência de investimento em infraestrutura fez com que o fornecimento fosse menor agora do que há uma década.
Problemas similares explicam a falta de energia, mas os analistas dizem que a crise é mais séria, os blecautes não só são mais inconvenientes do que as interrupções no fornecimento de água, que pode ser guardada com relativa facilidade, mas também levará anos para aumentar o fornecimento de energia. Chávez pareceu reconhecer a gravidade do assunto ao criar um Ministério da Energia Elétrica na semana passada.
Victor Poleo, vice-ministro da Energia de 1999 a 2001, acredita que a corrupção é o principal motivo pelo qual foi gasto apenas menos de um quarto dos US$ 643 milhões previstos para projetos de infraestrutura de transmissão entre 2001 e 2005. De fato, menos de 10% da capacidade extra de geração de energia considerada necessária há dez anos foi instalada.
Além da crise nos serviços públicos, os venezuelanos também enfrentam uma das maiores taxas de criminalidade do mundo, assim como uma inflação fora do controle. Tudo isso reduziu as taxas de aprovação de Chávez em até 10 pontos percentuais no ano passado.
Isso pode prejudicar seu desempenho nas eleições para o legislativo no ano que vem, diz Gregory Wilper, cientista político que simpatiza com Chávez.
"Se o problema da eletricidade piorar, ou mesmo se não melhorar, isso pode fazer com que o governo tenha problemas sérios", disse ele.
Tradução: Eloise De Vylder
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Um comentário:
Por muito menos, o apagão do Governo FHC fez com que os tucanos perdessem a eleição de 2002.
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