terça-feira, 3 de novembro de 2009

Mas hoje é mais caro

Por Carlos Alberto Sardenberg

Instituto Millenium


Não é que os países emergentes tenham o sagrado direito de poluir o quanto queiram, ou melhor, o tanto de que precisem para se tornarem ricos. Admitida a tese de que os pobres podem destruir suas florestas porque os atuais ricos fizeram isso enquanto estavam crescendo, restará um mundo inviável para todos.

Mas é evidente que situações diferentes exigem abordagens variadas.

Nos desenvolvidos, por exemplo, a infraestrutura está praticamente pronta. Estradas, aeroportos, usinas de energia e de tratamento de água, ferrovias, portos, redes de telecomunicações e, sobretudo, as cidades estão feitas. O processo de urbanização , com enorme impacto ambiental, está concluído. As pessoas têm vida melhor.

Aquecimento para o frio, ar condicionado para o verão. Tome um ônibus em Berlim, outro na Tijuca, e veja a diferença.

Neste lado do mundo, está tudo por fazer. O governo brasileiro, por exemplo, toca as obras de transposição das águas do São Francisco. Na China, a administração central definiu um projeto para levar água do Sul para o Norte do país. São 273 quilômetros de canais, que vão desalojar 330 mil pessoas.

São enormes os custos humanos, sociais e ambientais. Mas qual o custo de deixar populações inteiras sem água suficiente e com abastecimento regular e seguro? Agora, considere Phoenix, capital do Arizona, nos Estados Unidos. A água deles vem de muito longe, através de um sistema de canais que distribui em múltiplas direções. Obras semelhantes garantem a irrigação em diversos pontos da agricultura europeia, sem contar o abastecimento dos humanos.

Os três simbólicos rios da Europa — Tâmisa, Sena e Danúbio — foram gravemente poluídos durante os processos de urbanização e industrialização.

Depois, foram tratados e despoluídos, com grande orgulho.

A própria rainha da Inglaterra, há algum tempo, encarregou-se de colocar os primeiros peixes no “novo” Tâmisa. Despoluir é muito caro — e isso pôde ser feito porque o país já tinha renda para isso.

E daí? Significa que nós aqui, nos emergentes, podemos fazer a mesmíssima coisa, estragar, enriquecer, limpar? A resposta óbvia é não. Começa que a experiência histórica ajuda, ou deveria ajudar, a não cometer os mesmos erros. No caso, urbanizar e industrializar com processos limpos.

Mas daqui em diante as coisas já não são tão óbvias.

Os processos limpos são mais caros. Sim, sabemos que, no longo prazo, saem mais baratos, pois o custo de despoluir é maior. Mas isso não alivia o problema essencial dos países emergentes, que é justamente a carência — atual — de recursos financeiros. E de que adianta obter uma economia em 15 anos, se o dinheiro é escasso hoje? Os especialistas garantem que se você instalar um sistema de aquecimento solar e, assim, dispensar o chuveiro elétrico, vai fazer uma baita economia na conta de luz. Mas o aquecimento solar é caro, exige mais cuidado e manutenção no começo, especialmente nas residências fora dos grandes centros, enquanto o chuveiro custa uma ninharia. Por isso, a imensa maioria das famílias, especialmente as mais pobres, vai de chuveiro e depois tenta controlar o tempo de banho.

Coloque isso em escala macroeconômica, e é a mesma coisa. Praticamente todas as soluções ambientalmente corretas, como os prédios verdes, são mais caras, não raro muito mais caras na partida.

Eis o dilema: se todos os países emergentes e pobres forem de barato e sujo, a história não acaba bem; para convencê-los a ir de caro e limpo, é preciso arranjar o dinheiro e outras condições de financiamento.

Sem levar em conta este ponto crucial, não haverá acordos ambientais viáveis no mundo. E dinheiro é problema. A revista “Economist” encomendou uma pesquisa na qual se perguntava aos cidadãos americanos quantos dólares estariam dispostos a pagar numa taxa para o meio ambiente. Sabe quanto? Uns 80 dólares, ao ano.

E olha que eles já são ricos.

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