sábado, 14 de novembro de 2009

O ALTALENA

Por Ralph J. Hofmann


Alguns dias atrás um amigo me mandou uma série de fotos de Tel-Aviv. Em certo momento aparece um monumento na praia celebrando o afundamento do Altalena, navio carregado de armas compradas pelo Irgun Zwai Leumi. Este era um movimento de orientação de extrema direita uma das várias facções que lutaram pela criação do Estado de Israel, movimento que cometera atentados como o que vitimara o Conde Bernadotte, em missão de mediador pela ONU, e mandara cartas bomba para políticos ingleses.

O Altalena chegava num mau momento, havia sido celebrada uma trégua com os países árabes, durante a qual se convencionara que nenhum lado traria novas armas para a região. É verdade que os árabes continuavam se armando e fazendo ataques, mas Ben Gurion o Primeiro Ministro interino do Estado não queria ferir ostensivam.

Além disso, estava-se num processo de fente os termos do acordoundir todos os diversos grupos armados, de diferentes lideranças que haviam resistido o ataque dos vizinhos árabes, num único organismo, a Força de Defesa de Israel. Extinguiam-se os pequenos exércitos com diferentes orientações políticas. A chegada de um navio, com milhares de armas, destinadas a uma só facção implicava em ter um país com dois ou mais exércitos. Isto considerando que quando da independência Israel já havia uma estrutura de governo pronta, que atuava há anos a despeito do Mandato Britânico.

Não houve outra opção. O Altalena foi afundado. Nas próximas semanas todas as facções de combatentes se fundiram numa única força de defesa, em pouco tempo houve eleições gerais, e neste sessenta anos tem havido eleições e alternância no poder, a despeito de todas as dificuldades ou guerras que o país enfrentou.

Talvez tenha sido um dos momentos mais grandiosos dos dois velhos leões inimigos, Menachem Begin, do Irgun Zwai Leumi e Ben Gurion, o Primeiro Ministro interino, ambos essencialmente líderes políticos, não militares. Ben Gurion pela coragem de afundar o navio. Menachen Begin por, mesmo desconfiando de Ben Gurion ter, após o desapontamento, ter engolido suas mágoas e operado dentro de um jogo democrático pelas próximas dezenas de anos.

Levanto este assunto para mais uma vez ponderar o que são os exércitos privados como o MST. Num país que se diz democrático, a idéia de exércitos que se deslocam pelo país, atacando a quem lhes aprouver, dirigindo-se à OEA como se fossem um país é chocante. Francamente, o governo, ao não colocar um freio nesta situação pode ser um governo de direito, mas aceita que uma facção incômoda se aposse dos direitos de pessoas que se dispõem a viver à sombra de uma constituição.

Devemos considerar que não se trata só dos movimentos de agressão aos fazendeiros e agricultores. A existência de pessoas portando armas de grosso calibre nas grandes cidades é uma outra manifestação do mesmo fenômeno.

Fica claro com isto, que temos organismos corroendo a possibilidade de uma normalidade democrática. Na realidade não somos uma democracia. O judiciário aplica a constituição quando quer. Os ditos Sem Terra invocam direitos extra-constituição, ministros de estado mandam alocar verbas aos exércitos particulares. As penas efetivamente aplicadas a criminosos de alta periculosidade são uma piada.

Os políticos pegos em flagrante cometendo peculato dão uma risadinha, contam uma mentira qualquer, piscam para o povo pela televisão como para mostrar que são espertos e sabem que o povo gosta disto.

Da democracia apenas ficou o fato de elegermos os que aí estão. Mas na cabeça dos eleitos nestes últimos anos não há nenhuma noção de que há um objetivo maior a ser cumprido. Uma obrigação assumida ao ser eleito. É mero joguinho com contas coloridas.

Por mais que pense, não consigo pensar em sequer um político recente que tenha enfrentado com garra algum dilema moral, tenha tido de sacrificar algo de si, pelo país, como foi o caso dos dois leões de Israel em 1948.

E isto numa nação de quase 200 milhões de habitantes.

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