Por Rodrigo Lopes
Um comunicado circula entre os jornalistas sitiados na embaixada brasileira em Tegucigalpa, capital de Honduras. O documento traz as bases do que seria a proposta de Manuel Zelaya para pôr fim à crise. Lá no meio há um item que passa quase despercebido: o presidente deposto oferece o prédio brasileiro como local para a negociação de um acordo. Assim, estaria mais seguro, acredita. Só há um problema: o único funcionário brasileiro responsável pela embaixada, ministro Lineu Pupo de Paula, sequer havia sido avisado da proposta.
O fato ilustra como Zelaya transformou-se de hóspede em autoridade na representação diplomática brasileira. O prédio não é apenas seu bunker, de onde desafia as forças armadas, sob o comando do presidente Roberto Micheletti. É seu palanque político, para desespero de diplomatas de carreira no Itamaraty. Dias antes, uma delegação de seis deputados federais brasileiros desembarcou em Tegucigalpa para se encontrar com Zelaya. No corredor de entrada da embaixada, os assessores do presidente se esmeravam em boa vontade.
— Como se diz bem-vindo em português? – queriam saber.
Educação perfeita. Só esqueceram que os hóspedes, no caso, eram eles próprios. Durante as mais de duas semanas em que está abrigado no prédio, Zelaya recebeu parlamentares europeus, diplomatas e outras autoridades internacionais, despachando no gabinete do embaixador, que virou sala de acesso restrito a familiares e assessores próximos, como a ex-ministra da Mulher Dóris López e seu braço direito Carlos Eduardo Reina. Até a única autoridade brasileira na casa, o ministro Pupo de Paula, precisa bater à porta para entrar no gabinete. Lá dentro, de dia o local foi transformado em escritório de Zelaya. À noite, um grande colchão de acampamento é inflado, e a peça vira a suíte do líder deposto e sua mulher, Xiomara.
O modo como Zelaya utiliza a embaixada como palanque irrita a oposição e constrange o Itamaraty. Durante as entrevistas na casa, o presidente deposto convoca seguidores à resistência e ordena manifestações, contrariando os pedidos do chanceler brasileiro, Celso Amorim, para que não faça declarações políticas. Ninguém controla o que ele diz. De Paula só fica sabendo de suas frases na hora da entrevista.
No domingo passado, depois de oferecer a embaixada como local para a assinatura de um acordo, Zelaya levantou-se da cadeira:
— Quem está oferecendo a embaixada, presidente? – um repórter questionou.
— Eu estou oferecendo – respondeu.
Zelaystas impõem áreas restritas e punições
O presidente deposto acorda tarde. Na quarta-feira, uma delegação do parlamento europeu foi visitá-lo, e foi preciso que o funcionário brasileiro desse voltas, apresentando a embaixada, para que desse tempo de Zelaya se aprontar. Seus 50 seguidores — já foram 300 — espalham-se por salas, banheiros e secretarias da embaixada. As três únicas peças onde não há ativistas ou assessores são a sala ocupada por Pupo de Paula, o setor consular e uma sessão de informações – esta última fechada com cadeado, onde está um computador e documentos sigilosos.
No restante, cada canto é usado pelos zelaystas. Seus seguidores utilizam até o teto para descansar, como comprovou ZH nos cinco dias em que ficou na embaixada. Uma das peças foi transformada no setor de informações do governo deposto: em computadores, assessores organizam reuniões e monitoram o que sai na mídia sobre o presidente. Um papel na porta anuncia acesso restrito. Neste andar, nem ativistas podem entrar. O homem por trás da organização da rede de informações é conhecido por Hugo, ex-militar e chefe da segurança. Ele pune com rigidez os ativistas que subirem ali.
ZH flagrou em várias ocasiões homens e mulheres que foram repreendidos por chegarem próximo demais da área reservada a Zelaya e seus lugares-tenentes. Na noite de terça-feira, um dos guarda-costas que cuidava da porta do gabinete de Zelaya foi punido. Dormira na vigília e foi mandado para a cozinha. Como o local estava muito sujo, amanheceu deitado ao relento, no terraço.
Rodrigo Lopes é Enviado Especial de Zero Hora em Tegucigalpa.
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