quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Leitura Obrigatória: O assassinato de Natalia Estemirova


Por Cathy Young




O rapto e assassinato de Natalia Esmirova, ativista de direitos humanos, no norte do Cáucaso, uma região de conflito, foi o último crime a sacudir a já sitiada comunidade liberal da Rússia — e a levantar a questão de se a Rússia de hoje não vive apenas sob um regime autoritário, mas sob um reino de terror contra os dissidentes. Ainda que haja teorias diferentes a respeito de quem foram os verdadeiros autores desse pérfido crime, nenhuma delas é particularmente positiva quanto ao Kremlin.


No dia 15 de julho, Estemirova, 50 anos, professora, jornalista e mãe solteira de uma menina de 15 anos, foi raptada em frente a sua casa em Grozny, capital da Tchetchênia. Depois, no mesmo dia, foi encontrada morta à bala na província vizinha de Ingushetia, outra região tumultuada do norte do Cáucaso.


A morte de Estemirova ecoa o assassinato dea jornalista Anna Politkovskaya em seu apartemento em Moscou em 2006, e também o assassinato do advogado de direitos humanos Stanislav Markelov e da jornalista Anastasia Baburova em plena luz do dia em uma rua movimentada de Mostou em janeiro último.


Muitos críticos do regime autoritário de Vladimir Putin (e de sua encarnação na presidência de Dmitry Medvedev) acreditam que o Kremlin ordena e coordena esses assassinatos para silenciar os críticos. Porém, se for este o caso, o terror é altamente seletivo: outros críticos do regime, tão ou mais diretos quanto aqueles, foram assediados, perseguidos e censurados, mas não atacados fisicamente.


Muitos observam que os assassinatos de Estemirova, Politkovskaya e Markelov têm todos uma “conexão tchetchena”: todos eram críticos incansáveis dos abusos de direitos humanos na Tchetchênia, e de seu presidente, Ramzan Kadyrov. Há muitos anos, após uma rebelião separatista e uma guerra brutal, o Kremlin “pacificou” a Tchetchênia transformando em ditador de facto o presidente da região, o rebelde vira-casaca Ramzan Kadyrov. Quando Kadyrov acabou com os massacres aleatórios de tchetchenos por tropas russas, ele mesmo ficou conhecido por seus assassinatos e tortura brutais de adversários políticos. Muitos de seus rivais foram assassinados fora da Tchetchênia, em lugares que vão de Moscou a Dubai. Estemirova (que, ao contrário de Politkovskaya, não era conhecida por criticar seriamente o Kremlin) tinha desafiado Kadyrov, e sabe-se que ele a ameação. Oleg Orlov, presidente da Memorial, o grupo de direitos humanos para o qual Estemirova trabalhava — e que suspendeu suas atividades na Tchetchênia por hora — disse abertamente que Kadyrov é o principal responsável.


Se Kadyrov está mesmo matando seus críticos, isso não necessariamente quer dizer que ele o faça com a bênção do Kremlin: ainda que seja evidente que Kadyrov está no cargo por causa de Moscou, é bem provável que ele não possa ser removido sem que isso provoque uma nova guerra. No mínimo, porém, o governo russo fez um pacto com o diabo, e está tolerando assassinatos que mantêm o pacto.


Andrei Piontkovsky, fellow do Hudson Institute e comentarista da imprensa independente russa, manifestou outra teoria no website Grani.ru: ele sugere que o assassinato de Estemirova seja obra de uma facção extremista do Kremlin que se ressente da independência de facto que a Tchetchênia recebeu com Kadyrov, e quer que ele fique comprometido e removido, para que a Tchetchênia volte para o comando das forças armadas russas.


De qualquer modo, num sentido muito verdadeiro, a verdadeira culpa cabe a Putin — como afirmou um grupo de ativistas russos de direitos humanos numa carta aberta publicada após o assassinato de Estemirova. No mínimo, nos oito anos de sua presidência, Putin ajudou criar um clima de ódio e suspeita em torno dos ativistas de direitos humanos e jornalistas que não fossem partidários do governo; repetidas vezes ele se referiu a dissidentes como desleais e antipatrióticos, chegando a acusá-los uma vez de “rapinar feito chacais as embaixadas estrangeiras”. Depois do assassinato de Politkovskaya, sua reação foi dizer que “ela tinha uma influência mínima na vida política da Rússia”, e acrescentou: “esse assassinato prejudica a Rússia e a Tchetchênia muito mais do que qualquer uma de suas publicações”. Assim, num só fôlego, o então presidente da Rússia não apenas disse que a obra de Politkovskaya era insignificante, como ainda disse que era prejudicial ao país.


Na superfície, a reação de Medvedev à morte de Estemirova não poderia ter sido mais diferente. Não apenas ele condenou o assassinato e prometeu que os culpados seriam encontrados, como também afirmou que a obra de Estemirova era “importante” e “muito útil”: “Ela falava a verdade, ela julgava abertamente e às vezes, talvez, severamente, alguns dos processos que aconteciam no país, e esse é o valor dos ativistas de direitos humanos, ainda que eles sejam inconvenientes e irritem o governo”. Mas será que isso chega a ser mais do que palavras? No mesmo fôlego, Medvedev também reclamou que as versões mais divulgadas do assassinato eram as “mais inaceitáveis pelo governo”, como se os fatos fossem menos importantes do que a conveniência.


Apesar das promessas de Medvedev, poucos russos — e ocidentais — preocupados realmente esperam que os assassinos de Estemirova sejam encontrados. Num press release de 21 de julho, a ONU ofereceu ajuda ao governo russo para desvendar esse assassinato e outros similares. Como a ONU observou, as afirmações de que justiça será feita “de pouco valerão, a menos que as autoridades façam mais do que foi feito no passado, e que frequentemente levou a um ciclo de impunidade”.


Não houve resposta do Kremlin. Enquanto isso, em 23 de julho, uma passeata em honra da memória de Estemirova foi interrompida pela polícia no centro de Moscou por ter atraído mais gente do que o previsto na petição feita pelos organizadores. Um vídeo amador mostra um homem de 70 anos sendo empurrado para dentro de um ônibus.


Assim como em outros assassinatos de pessoas célebres ligadas à oposição, o Kremlin tem tentado dar força à hipótese de que as pessoas por trás do crime são inimigos da Rússia que tentam desacreditar o governo russo. Até agora, as próprias ações do governo russo lhes trazem muito mais descrédito do que qualquer subterfúgio inimigo conseguiria.



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