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Um tema que dificilmente chega aos debates eleitorais, em toda a sua complexa formulação e importância, é a questão da qualidade das instituições brasileiras. Claro, o povo quer saber primeiro se tem o que comer, como está o transporte público, a polícia, se ter um diploma é mesmo caminho para o emprego e tantas outras coisas imediatas. As campanhas são recheadas de promessas de se fazer mais. É o tal de vou investir mais em obras, mais em educação, mais em segurança. Entretanto, nada disso é sustentável em um país de caudilhos, em que as regras funcionam de acordo com a vontade do comandante da vez.
As instituições são as regras do jogo, idealmente desenhadas para prover bons incentivos que levem ao desenvolvimento econômico. Podem ainda ser eficientes ou ineficientes, formais ou informais. Vamos a um exemplo prático. Em alguns países, a educação é uma forma de se capacitar para ser mais competitivo no mercado de trabalho e poder ter acesso a uma renda maior. Em outros, construir riqueza pode ser uma coisa com muitos obstáculos, sendo necessário acesso a funcionários públicos chaves, políticos, partidos. Este é o caso de empresas que surgem do dia para noite para participar de licitações. No primeiro exemplo, tanta a empresa quanto um indivíduo vão buscar especialização verdadeira, tentando prover o mercado com uma qualidade que seja assim reconhecida pelos demais, sendo dessa forma bem sucedidos. No segundo, mais importante do que desenvolver um produto ou expertise é fazer conexões. Isso deixa um legado de sobrepreço e engenharia mal feita, gerando um peso morto para a sociedade. E desencoraja os que iam competir apenas pelos critérios técnicos.
A visão de como funciona o jogo é transmitida tacitamente para a sociedade. É difícil combater a violência, por exemplo, quando se dissemina uma ideia de que “ser honesto é ser otário”, de que levar vantagem em tudo é a lei da sobrevivência no Brasil e de que se eu estou no poder é para poder ajudar a mim, minha família e amigos. Se prevalecer a “regra do namorado da netinha”, que merece um emprego público pois para um avô é difícil negar pedido de neta, os mais espertos vão preferir sempre as conexões políticas ao teste do mercado. E isso acontece não por uma falta de educação de quem assim procede. É uma questão de valores e regras (permissivas) do jogo. Ocorre até a quem é muito rico, já foi presidente da República e é membro da Academia Brasileira de Letras.
Sem instituições respeitadas e bem desenhadas, prosperidade imediata pode ser o caminho para o autoritarismo. A Espanha achava que tinha tirado a sorte grande – ou era a nação escolhida pelo Senhor – quando descobriu as imensas minas de ouro e prata nas suas colônias na América do Sul. Se achavam donos do mundo, numa imagem resgatada pelo cientista político Anthony Pagden. O trabalho foi substituído pela pilhagem. Terminou esgotando as minas, transformando antigas posses em territórios inimigos e reduzindo-se a quase nada. Situação semelhante acontece na maioria dos grandes países exploradores de petróleo. Poucos fazem como a Noruega, constituindo um imenso fundo de reservas para consumo das gerações futuras e desenvolvendo outras indústrias. Se nesse pré-sal brasileiro tiver metade do que o governo diz que tem de petróleo, dadas as condições atuais, é algo mais a se temer do que a comemorar. Um modelo venezuelano, árabe ou nigeriano não é nenhuma benção.
Ao mesmo tempo em que explodia a crise no Senado, o governo mexeu na Receita Federal, tirando e tentando desmoralizar a funcionária de carreira que não se moveu para “agilizar” as auditorias nas empresas do poderoso presidente do Senado. Com a Receita comandada agora por um capacho, doze altos funcionários colocaram os seus cargos à disposição, reclamando – entre outros pontos – de ingerência política em um órgão eminentemente técnico. Acrescentaria eu que isso não é de hoje. Continuo sem entender como qualquer erro ou omissão de seres comuns pode resultar em cair na malha fina do IR, mas o publicitário Duda Mendonça admitiu receber dinheiro por fora em contas no exterior para fazer a campanha do PT a presidência em 2002 e, além de estar livre, leve, solto e rico ainda possui contratos com o governo. Talvez gastando o dinheiro até em apostas em rinhas de galo.
O tema que está fora do debate é o que permite saber se vamos ter um Estado democrático de direito e meritocrático ou um que gravita totalmente em torno do caudilho presidente do executivo. E este, além de conceder as benesses, como projetos de lei para beneficiar setores e distribuição de dinheiro para parte da população, é ainda capaz de dizer quem será investigado e quem não será, a ponto de desmoralizar um líder do seu partido, um senador por São Paulo que outrora foi levado a sério, o que já não é mais possível, em caráter irrevogável. Só desejo que ainda não seja irrevogável essa desinstitucionalização do País. Em vez de progredir – e faltava muito para que fôssemos um país de instituições sérias – estamos seguindo a receita para o atraso.
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