Após ouvir o presidente Lula afirmar, no dia 2 de abril passado, que gostaria de passar para a história como o primeiro presidente brasileiro a botar dinheiro no FMI, quem pensava que estamos diante da crise final do capitalismo fica obrigado a rever seus conceitos. O que estamos testemunhando é mais uma crise de reciclagem do sistema capitalista, que sairá dessa diferente, mas ainda, capitalista.
Entender a natureza e o sentido dessa crise é essencial para quem precisa lidar com ela na hora de tomar decisões estratégicas de natureza pessoal, profissional, empresarial e/ou política. Quem acerta o diagnóstico pode acertar o remédio e se beneficiar das conseqüências de suas escolhas. Quem erra deve arcar com o preço de seu erro, e tornar-se-á vítima dele. Ou fará vítimas entre as pessoas que dependem de suas decisões.
Sob influência do cristianismo que prevê uma vida eterna e paradisíaca após a morte do nosso corpo físico, a sociedade ocidental incorporou em seu imaginário uma noção linear do desenvolvimento. A noção que temos de progresso social, implícita à lógica do conhecimento científico, trás subjacente a idéia de que marchamos, inexoravelmente para frente e para cima, rumo a um mundo cada vez melhor e tecnologicamente mais desenvolvido. O “paraíso” da ciência chegaria no dia em que dominássemos completamente as forças da natureza, igualando-nos a Deus.
Para os orientais - assim como para os gregos da antiguidade clássica -, o tempo é cíclico. O tempo gira em forma de espiral fazendo com que as coisas se repitam, tal como as fases da lua e as estações do ano que sempre voltam, embora nunca de forma exatamente igual. A matriz religiosa oriental nasceu da observação da natureza. Sua essência reside em buscar a felicidade pela harmonia com as forças da natureza; não na tentativa de dominá-la.
Não é possível saber se o capitalismo um dia encontrará seu fim como sistema econômico e social. No entanto, esse sistema parece encontrar sua força justamente na capacidade de se reciclar e se autorreformar, sobrevivendo às crises que a ambição incontida do ser humano engendra.
Os ciclos do capitalismo são ciclos de espasmo e contração. O primeiro grande ciclo de espasmo ocorreu na segunda metade do século XIX e encerrou-se com a crise de 1929, que marcou o apogeu do capitalismo industrial. O motor dos ciclos de espasmo é o anseio humano por liberdade que, ao encontrar seus limites, experimenta o desgaste que os engenheiros chamam de “fadiga dos materiais”. O desgaste requer a substituição de peças ou a modernização tecnológica para permitir que o sistema siga funcionando.
O ciclo de contração que se seguiu à crise de 1929 veio mercado pelo avanço do Estado repressor sobre a liberdade social e de mercado. Duas guerras mundiais deram vazão à reação totalitária nazista, fascista e comunista. Os dois primeiros derrotados em 1945; o último derrotado em 1989 e 1991, com a queda do Muro de Berlim e o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A síntese entre os extremos foi o Welfare State (estado do bem estar social), que se constituiu nos EUA a partir do New Deal de Roosevelt e nos países europeus após a derrota do nazifascismo.
A década de 1980 deu início à crise do Estado e ao novo espasmo, sob impulso do processo de globalização turbinado pela interligação do mundo em redes distribuídas de comunicação em tempo real e de transporte em alta velocidade. O aumento do volume, da complexidade e da velocidade de circulação de riquezas, de informações e de gente pela superfície do planeta, arrombou as fronteiras dos estados nacionais. Libertaram-se novamente as forças sociais e de mercado, dando início ao ciclo de crescimento econômico que levou o Brasil, a China, a Índia, a Rússia e outras potencias médias ao G-20, novo grupo de nações que lideram a condução dos destinos do mundo.
A crise atual corresponde ao ciclo de reação; de contração, oposto ao espasmo que marcou as duas últimas décadas do século XX. A queda das Torres Gêmeas exerceu a função de agulha de punção do furúnculo infecto pelo vírus da burocracia e da corrupção, remanescente do capitalismo industrial em extinção, nas entranhas do capitalismo global emergente.
Para entender a natureza da crise é preciso abrir a grande angular da história. O foco no curto prazo e em indicadores localizados que, vez por outra, provocam euforia nas bolsas de valores, sempre sedentas para enxergar a luz no fim do túnel, induz o observador ao erro. Até essa reunião do G-20 recém encerrada, governos e instituições financeiras mundiais haviam anunciado a liberação de apenas 1/3 dos recursos necessários para tapar o rombo criado pelo delírio dos derivativos. Faltavam 2/3.
O mundo empobreceu. Riqueza está sendo queimada em cifras de trilhões de dólares e euros e os recursos prometidos por governos e instituições financeiras globais para socorrer bancos, empresas e países, são riqueza futura, que se esperam, as pessoas produzam para cobrir esse rombo criado por financistas aventureiros em aliança com políticos e burocratas de governos ineficientes e corruptos.
Higienizar o mercado e o sistema político mundial vai custar caro. Muito caro! E a cota será paga por quem sempre paga: o povo. Ela virá em forma de inflação, déficit público e endividamento dos governos. A chegada da fatura na conta dos contribuintes é questão de tempo. A dor poderia ser abreviada se os políticos do mundo compreendessem que a saída passa pela maior abertura econômica e pelo aumento da circulação de riquezas no mercado global. Mas, na política reina a hipocrisia. Ao mesmo tempo em que os governantes do mundo declaram intenções contrárias ao protecionismo, na prática, adotam medidas subreptícias de fechamento de suas economias. O governo Lula é o campeão da hipocrisia protecionista.
Mesmo assim, não há fim do capitalismo na saída do túnel dessa crise. Sob a liderança de Obama, os EUA apontam para uma mudança no paradigma energético e no padrão de consumo nas sociedades capitalistas avançadas. O ocidente parece ter começado a entender que é melhor viver em harmonia com a natureza do que brincar de Deus e tentar dominá-la completamente. Impossível!
Um novo sistema multilateral de regulação e governança da sociedade global está em gestação. Embora seus contornos ainda estejam indefinidos, a hegemonia dos EUA, inaugurada no período pós-Segunda Guerra Mundial, parece encerrada. Mas, a liderança mundial dos EUA segue de pé, e é Obama quem delineia os contornos da nova agenda.
O sistema financeiro e político mundial precisarão ser depurados da burocracia e da corrupção. O ciclo de revitalização do novo capitalismo já começou. Quem imagina que vivemos o fim da globalização, não está entendendo nada. Para que isso fosse possível seria preciso abolir a internet e demais sistemas de comunicação global em redes distribuídas, e acabar com o sistema de transporte, de gente e de riquezas em grande volume e alta velocidade de um lado para outro do planeta. Isso não vai acontecer, a menos que vivamos um colapso energético e tecnológico. O capitalismo do futuro será outro; mas, repito, ainda será capitalismo.
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