quinta-feira, 10 de novembro de 2011

No Enem, a saudação ao Duce

Por Demétrio Magnoli

Estadão Online

Questão do Enem, 2001: "A Lei 9.491, de 9 de setembro de 1997, criou o Programa Nacional de Desestatização, que reordena a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público . A referida lei representa um avanço não só para a economia nacional, mas também para a sociedade brasileira, porque (...)". Resposta, segundo o gabarito: "amplia os investimentos produtivos e a riqueza geral da nação".


A questão acima é uma invenção minha: nunca foi proposta num Enem. Mas o que diria Fernando Haddad se, no governo FHC, o MEC a tivesse inserido num exame nacional que decide o futuro universitário de milhões de estudantes brasileiros? Desconfio que, coberto de razão, ele classificaria a prova como um gesto de covardia autoritária pelo qual os candidatos seriam forçados a se curvar à doutrina política do poder de turno, repetindo compulsoriamente o credo expresso no site do Planalto sob pena de exclusão do ensino superior. Pois o atual ocupante do MEC acaba de produzir um gesto assim, indigno de uma nação democrática, na mais recente edição do Enem.

Eis o texto da questão: "A Lei n.º 10.639, de 9 de janeiro de 2003, inclui no currículo dos estabelecimentos de ensino (...) a obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira e determina que o conteúdo programático incluirá o estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil (...) . A referida lei representa um avanço não só para a educação nacional, mas também para a sociedade brasileira, porque (...)". Resposta, segundo o gabarito: "impulsiona o reconhecimento da pluralidade étnico-racial do país". Sob Haddad, o Enem converteu-se em campo de reeducação ideológica para jovens. Diante disso, pouco significam os sucessivos espetáculos de incompetência gerencial que o atormentam.

A lei que os candidatos estão obrigados a celebrar não é uma ferramenta de combate ao preconceito racial, mas a condensação da doutrina racialista. Seu pressuposto é a divisão da humanidade em raças. Segundo ela, as pessoas não são indivíduos mas componentes de "famílias raciais" definidas por ancestralidades supostas e involucradas em culturas singulares. As escolas, prega a lei, devem ensinar uma história particular do "povo negro" (por oposição implícita ao "povo branco"). Desde a mais tenra idade, os estudantes aprenderiam a enxergar a si mesmos como participantes de uma comunidade racial.

O gabarito da questão está errado e inexiste resposta correta entre as alternativas apresentadas no exame. Mas a resposta certa, segundo o próprio MEC, consta de um parecer do Conselho Nacional de Educação no qual se explica que a lei "deve orientar para (...) o esclarecimento de equívocos quanto a uma identidade humana universal". Tal resposta não aparece entre as alternativas, pois ela explicitaria a insolúvel contradição entre a lei da educação racial e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que repousa sobre a afirmação da realidade de "uma identidade humana universal".

Leia Mais Aqui

Nenhum comentário: