quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A ascensão do capitalismo

Por Ludwig von Mises

Von Mises Brasil

O sistema pré-capitalista de produção era restritivo. Sua base histórica era a conquista militar. Os reis vitoriosos cediam a terra conquistada aos seus paladinos. Esses aristocratas eram lordes no sentido literal da palavra, uma vez que eles não dependiam de satisfazer consumidores; seu êxito não dependia de consumidores consumindo ou se abstendo de consumir seus produtos no mercado.

Por outro lado, eles próprios eram os principais clientes das indústrias de processamento, as quais, sob o sistema de guildas, eram organizadas em um esquema corporativista (as corporações de ofício). Tal esquema se opunha fervorosamente a qualquer tipo de inovação. Ele proibia qualquer variação e divergência dos métodos tradicionais de produção. Era extremamente limitado o número de pessoas para quem havia empregos até mesmo na agricultura ou nas artes e trabalhos manuais. Sob essas condições, vários homens, para utilizar as palavras de Malthus, descobriram que "não há vagas para eles no lauto banquete da natureza", e que ela, a natureza, "o ordena a dar o fora". Porém, alguns destes proscritos ainda assim conseguiram sobreviver e ter filhos. Com isso, fizeram com que o número de desamparados crescesse desesperadoramente.

Mas então surgiu o capitalismo. É costume ver as inovações radicais que o capitalismo produziu ao substituir os mais primitivos e menos eficientes métodos dos artesãos pelas fábricas mecanizadas. No entanto, esta é uma visão bastante superficial. A feição característica do capitalismo que o distinguiu dos métodos pré-capitalistas de produção era o seu novo princípio de distribuição e comercialização de mercadorias.

O capitalismo não é simplesmente produção em massa, mas sim produção em massa para satisfazer as necessidades das massas. As artes e os trabalhos manuais dos velhos tempos eram voltados quase que exclusivamente para os desejos dos abastados. E então surgiram as fábricas e começou-se a produzir bens baratos para a multidão. Todas as fábricas primitivas foram concebidas para servir às massas, a mesma camada social que trabalhava nas fábricas. Elas serviam às massas tanto de forma direta quanto indireta: de forma direta quando lhes supriam produtos diretamente, e de forma indireta quando exportavam seus produtos, o que possibilitava que bens e matérias-primas estrangeiros pudessem ser importados. Este princípio de distribuição e comercialização de mercadorias foi a característica inconfundível do capitalismo primitivo, assim como é do capitalismo moderno.

Os empregados são eles próprios os consumidores da maior parte de todos os bens produzidos em uma economia. Eles são os consumidores soberanos que "sempre têm razão". Sua decisão de consumir ou de se abster de consumir determina o que deve ser produzido, em qual quantidade, e com que qualidade. Ao consumirem aquilo que mais lhe convém, eles determinam quais empresas obtêm lucros e quais sofrem prejuízos. Aquelas que lucram expandem suas atividades e aquelas que sofrem prejuízos contraem suas atividades. Desta forma, as massas, na condição de consumidores no mercado, estão continuamente retirando o controle dos fatores de produção das mãos dos empreendedores menos capazes e transferindo-o para as mãos daqueles empreendedores que são mais bem sucedidos em satisfazer seus desejos.

Sob o capitalismo, a propriedade privada dos fatores de produção por si só representa uma função social. Os empreendedores, os capitalistas e os proprietários de terras são os mandatários, por assim dizer, dos consumidores, e seus mandatos são plenamente revogáveis. Em um mercado livre e desimpedido, no qual não há regulamentações, subsídios ou protecionismos, para um indivíduo ser rico, não basta ele ter poupado e acumulado capital. É necessário que ele invista, contínua e repetidamente, naquelas linhas de produção que melhor atendam aos desejos dos consumidores. O processo de mercado torna-se um plebiscito que é repetido diariamente, e que inevitavelmente expulsa da categoria dos eficazes e rentáveis aquelas pessoas que não empregam sua propriedade de acordo com as ordens dadas pelo público. Consequentemente, no livre mercado, as grandes empresas — sempre o alvo do ódio fanático de todos os governantes e de pretensos intelectuais — adquirem e mantêm seu tamanho unicamente pelo fato de elas atenderem aos desejos das massas. As indústrias voltadas para satisfazer os luxos de poucos jamais adquirem um tamanho significativo.

A principal falha dos historiadores e políticos do século XIX foi terem se mostrado incapazes de perceber que os trabalhadores eram os principais consumidores dos produtos das indústrias. Na visão deles, o assalariado era um homem trabalhando árdua e exaustivamente para beneficiar unicamente uma classe ociosa e parasítica. Tais pessoas estavam sob a ilusão de que as fábricas haviam prejudicado todos os trabalhadores manuais. Tivessem eles prestado um pouco mais de atenção nas estatísticas, teriam facilmente descoberto a falácia desta sua opinião. A mortalidade infantil foi reduzida, a expectativa média de vida aumentou, a população se multiplicou e o cidadão comum passou a usufruir confortos que os mais abastados das épocas mais antigas sequer sonhavam existir.

No entanto, este enriquecimento sem precedentes das massas foi meramente um subproduto da Revolução Industrial. Sua principal façanha foi retirar a supremacia econômica das mãos dos proprietários de terra e transferi-la para a totalidade da população. O cidadão comum não mais era um servo que tinha de se satisfazer com as migalhas que caíam das mesas dos ricos. As três castas párias que caracterizaram as épocas pré-capitalistas — os escravos, os servos, e aquelas pessoas a quem os autores patrístios e escolásticos, bem como a legislação britânica dos séculos XVI ao XIX, se referiam como 'os pobres' — desapareceram. Seus descendentes se tornaram, neste novo arranjo econômico, não apenas trabalhadores livres, mas também consumidores.

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