Estadão Online
Por Fernando Gabeira
Quente, quente, a primavera será quente. Os franceses costumam gritar isso quando começam uma nova fase de lutas. Na Venezuela, em 2011, esqueçam as estações: todo o ano será quente. De um lado, Hugo Chávez e seu partido querem aprofundar a revolução socialista; de outro, a oposição promete ir às ruas para reconstruir a democracia. A solução desse drama está nas eleições de 2012, mas tanto o desfecho eleitoral quanto o desenrolar do processo são um enigma. O Instituto de Investigação de Conflitos Internacionais de Heildberg deu nota 3 para a Venezuela, que, em 2010, só perdeu para a guerra do narcotráfico no México. Mas o dado novo, desde o dia 5, é a presença da oposição na Assembleia e as medidas que o partido do governo tomou para evitar que ela tenha poder.
Foram 25 leis em dezembro e, se considerarmos Chávez como um cavaleiro andante, podemos entendê-las melhor. Vinte e quatro delas formam seu escudo porque se destinam a neutralizar a oposição, a imprensa, os partidos e universidade. Uma delas é a lança: a chamada Lei Habilitante que permite a Chávez governar 18 meses por decreto, sem dar satisfação aos deputados. É tão autoritária que já foi criticada numa só semana pela OEA (Organização dos Estados Americanos), por meio de seu secretário-geral, José Miguel Insulza, e pela Conferência Episcopal Venezuelana, que considera a medida "um passo para o comunismo".
O que pode incendiar os conflitos políticos, com a força de muitos barris de gasolina barata, é a economia. A Venezuela decresceu em 2010 e a inflação no país foi uma das maiores do mundo: 27%. Entre os 32 países da América do Sul e Caribe, é o único que não tem perspectiva de crescimento em 2011. Sua produção de petróleo caiu a um nível mais baixo do que 2003 e, segundo os cálculos internos, só pode cobrir 12% das exportações, o que equivale a um déficit de US$ 41 bilhões. Por isso, no ranking internacional dos que, potencialmente, não poderão honrar sua dívida, a Venezuela é a segunda entre dez: na frente apenas da Grécia.
Quando os números saltam do debate técnico para o estômago, o potencial de inquietação é grande. A Venezuela produz apenas 70% do alimento que consome. A facilidade da renda do petróleo inibiu o desenvolvimento agrícola. Além disso, as chuvas do ano passado arruinaram 5 mil hectares semeados. Só a cebola subiu 100% num mês.
Antes de sair do Brasil, li nos jornais do Estado de Bolívar que estava faltando farinha. No tempo em que passei em Caracas, não só a farinha, mas também o açúcar e a margarina estavam em falta em Bolívar. Os produtores antecipam uma alta, pois, com a unificação cambial, caiu o dólar especial, que era comprado por 2,3 bolívares. O dólar agora vale 4,3 bolívares, mas, ainda assim, é uma cotação romântica, porque no mercado paralelo custa o dobro. Fui abordado por muitas pessoas querendo comprar dólar no paralelo. Quando você diz que fez a operação no banco, olham desolados, como se fosse um lunático.
Andei por algumas feiras livres e consultei Daniel Gómez, de 54 anos, da classe média. Ele revelou que gasta o equivalente de cerca de R$ 300 por semana com comida para ele e dois filhos. Falei também com Juana, empregada doméstica. Ela me disse que, para sua família, gasta muito menos nos mercados especiais criados pelo governo. Uma das razões de sua simpatia por Chávez.
Até quando o esquema é sustentável? Produtores de carne anunciaram nesta semana uma redução do consumo e um aumento de preço. A carne vem do Brasil, que exportou 42 mil toneladas do produto congelado, além de vender para a Venezuela 420 mil cabeças de gado.
O único produto barato que não parece ameaçado é a gasolina. As ruas de Caracas estão repletas de imensos e antigos carros de oito cilindros. O New York Times viu nelas um pouco da antiga Detroit rodando pelas ruas da capital. Os que visitam Cuba, lembram-se dos velhos carros de Havana. Mas o fato singular aqui é que você consegue encher um tanque com 100 litros de gasolina por menos de US$ 1 no paralelo. Daí a persistência de uma frota nostálgica.
Sem uma saída para os alimentos no horizonte próximo - a previsão de aumentos de preço no setor é de 40% -, Chávez deve deslocar o debate para o campo da habitação. Ele já havia confessado seu fracasso no objetivo de dotar milhares de pessoas de uma casa digna. Aí vieram as grandes chuvas que desabrigaram 130 mil.
Ele foi ativo durante o desastre, frequentou os lugares atingidos, comandou pessoalmente a resposta do governo. Mas percebeu que, no clima de comoção nacional, havia uma chance de empurrar o socialismo. Umas das razões da lei que lhe dá carta branca é a possibilidade de desapropriar e impulsionar a tomada de prédios. Há poucos dias, anunciou que acabará com a desocupação judicial em caso de não pagamento de aluguel. Os proprietários, por meio do dirigente de sua associação, Roberto Orta Martínez, anunciaram que será o caos, pois muitos donos de imóveis são pobres e ficarão sem o único bem.
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Por Fernando Gabeira
Quente, quente, a primavera será quente. Os franceses costumam gritar isso quando começam uma nova fase de lutas. Na Venezuela, em 2011, esqueçam as estações: todo o ano será quente. De um lado, Hugo Chávez e seu partido querem aprofundar a revolução socialista; de outro, a oposição promete ir às ruas para reconstruir a democracia. A solução desse drama está nas eleições de 2012, mas tanto o desfecho eleitoral quanto o desenrolar do processo são um enigma. O Instituto de Investigação de Conflitos Internacionais de Heildberg deu nota 3 para a Venezuela, que, em 2010, só perdeu para a guerra do narcotráfico no México. Mas o dado novo, desde o dia 5, é a presença da oposição na Assembleia e as medidas que o partido do governo tomou para evitar que ela tenha poder.
Foram 25 leis em dezembro e, se considerarmos Chávez como um cavaleiro andante, podemos entendê-las melhor. Vinte e quatro delas formam seu escudo porque se destinam a neutralizar a oposição, a imprensa, os partidos e universidade. Uma delas é a lança: a chamada Lei Habilitante que permite a Chávez governar 18 meses por decreto, sem dar satisfação aos deputados. É tão autoritária que já foi criticada numa só semana pela OEA (Organização dos Estados Americanos), por meio de seu secretário-geral, José Miguel Insulza, e pela Conferência Episcopal Venezuelana, que considera a medida "um passo para o comunismo".
O que pode incendiar os conflitos políticos, com a força de muitos barris de gasolina barata, é a economia. A Venezuela decresceu em 2010 e a inflação no país foi uma das maiores do mundo: 27%. Entre os 32 países da América do Sul e Caribe, é o único que não tem perspectiva de crescimento em 2011. Sua produção de petróleo caiu a um nível mais baixo do que 2003 e, segundo os cálculos internos, só pode cobrir 12% das exportações, o que equivale a um déficit de US$ 41 bilhões. Por isso, no ranking internacional dos que, potencialmente, não poderão honrar sua dívida, a Venezuela é a segunda entre dez: na frente apenas da Grécia.
Quando os números saltam do debate técnico para o estômago, o potencial de inquietação é grande. A Venezuela produz apenas 70% do alimento que consome. A facilidade da renda do petróleo inibiu o desenvolvimento agrícola. Além disso, as chuvas do ano passado arruinaram 5 mil hectares semeados. Só a cebola subiu 100% num mês.
Antes de sair do Brasil, li nos jornais do Estado de Bolívar que estava faltando farinha. No tempo em que passei em Caracas, não só a farinha, mas também o açúcar e a margarina estavam em falta em Bolívar. Os produtores antecipam uma alta, pois, com a unificação cambial, caiu o dólar especial, que era comprado por 2,3 bolívares. O dólar agora vale 4,3 bolívares, mas, ainda assim, é uma cotação romântica, porque no mercado paralelo custa o dobro. Fui abordado por muitas pessoas querendo comprar dólar no paralelo. Quando você diz que fez a operação no banco, olham desolados, como se fosse um lunático.
Andei por algumas feiras livres e consultei Daniel Gómez, de 54 anos, da classe média. Ele revelou que gasta o equivalente de cerca de R$ 300 por semana com comida para ele e dois filhos. Falei também com Juana, empregada doméstica. Ela me disse que, para sua família, gasta muito menos nos mercados especiais criados pelo governo. Uma das razões de sua simpatia por Chávez.
Até quando o esquema é sustentável? Produtores de carne anunciaram nesta semana uma redução do consumo e um aumento de preço. A carne vem do Brasil, que exportou 42 mil toneladas do produto congelado, além de vender para a Venezuela 420 mil cabeças de gado.
O único produto barato que não parece ameaçado é a gasolina. As ruas de Caracas estão repletas de imensos e antigos carros de oito cilindros. O New York Times viu nelas um pouco da antiga Detroit rodando pelas ruas da capital. Os que visitam Cuba, lembram-se dos velhos carros de Havana. Mas o fato singular aqui é que você consegue encher um tanque com 100 litros de gasolina por menos de US$ 1 no paralelo. Daí a persistência de uma frota nostálgica.
Sem uma saída para os alimentos no horizonte próximo - a previsão de aumentos de preço no setor é de 40% -, Chávez deve deslocar o debate para o campo da habitação. Ele já havia confessado seu fracasso no objetivo de dotar milhares de pessoas de uma casa digna. Aí vieram as grandes chuvas que desabrigaram 130 mil.
Ele foi ativo durante o desastre, frequentou os lugares atingidos, comandou pessoalmente a resposta do governo. Mas percebeu que, no clima de comoção nacional, havia uma chance de empurrar o socialismo. Umas das razões da lei que lhe dá carta branca é a possibilidade de desapropriar e impulsionar a tomada de prédios. Há poucos dias, anunciou que acabará com a desocupação judicial em caso de não pagamento de aluguel. Os proprietários, por meio do dirigente de sua associação, Roberto Orta Martínez, anunciaram que será o caos, pois muitos donos de imóveis são pobres e ficarão sem o único bem.
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