Por Ludwig von Mises
Ludwig von Mises Brasil
Autores socialistas e intervencionistas costumam dizer que a história do industrialismo moderno, e especialmente a história da "Revolução Industrial" na Inglaterra, constitui uma evidência empírica da procedência da doutrina denominada "realista" ou "institucional", e refuta inteiramente o dogmatismo "abstrato dos economistas".
Os economistas negam categoricamente que os sindicatos e a legislação trabalhista possam e tenham beneficiado a classe dos assalariados e elevado o seu padrão de vida de forma duradoura. Porém, dizem os antieconomistas, os fatos refutaram essas ideias capciosas.
Segundo eles, os governantes e legisladores que regulamentaram as relações trabalhistas revelaram possuir uma melhor percepção da realidade do que os economistas. Enquanto a filosofia do laissez-faire, sem piedade nem compaixão, pregava que o sofrimento das massas era inevitável, o bom senso dos leigos em economia conseguia terminar com os piores excessos dos empresários ávidos de lucro. A melhoria da situação dos trabalhadores se deve, pensam eles, inteiramente à intervenção dos governos e à pressão sindical.
São essas ideias que impregnam a maior parte dos estudos históricos que tratam da evolução do industrialismo moderno. Os autores começam esboçando uma imagem idílica das condições prevalecentes no período que antecedeu a "Revolução Industrial". Naquele tempo, dizem eles, as coisas eram, de maneira geral, satisfatórias. Os camponeses eram felizes. Os artesãos também o eram, com a sua produção doméstica; trabalhavam nos seus chalés e gozavam de certa independência, uma vez que possuíam um pedaço de jardim e suas próprias ferramentas. Mas, aí, "a Revolução Industrial caiu como uma guerra ou uma praga" sobre essas pessoas.[2] O sistema fabril transformou o trabalhador livre em virtual escravo; reduziu o seu padrão de vida ao mínimo de sobrevivência; abarrotando as fábricas com mulheres e crianças, destruiu a vida familiar e solapou as fundações da sociedade, da moralidade e da saúde pública. Uma pequena minoria de exploradores impiedosos conseguiu habilmente subjugar a imensa maioria.
A verdade é que as condições no período que antecedeu à Revolução Industrial eram bastante insatisfatórias. O sistema social tradicional não era suficientemente elástico para atender às necessidades de uma população em contínuo crescimento. Nem a agricultura nem as guildas conseguiam absorver a mão de obra adicional. A vida mercantil estava impregnada de privilégios e monopólios; seus instrumentos institucionais eram as licenças e as cartas patentes; sua filosofia era a restrição e a proibição de competição, tanto interna como externa.
O número de pessoas à margem do rígido sistema paternalista de tutela governamental cresceu rapidamente; eram virtualmente párias. A maior parte delas vivia, apática e miseravelmente, das migalhas que caíam das mesas das castas privilegiadas. Na época da colheita, ganhavam uma ninharia por um trabalho ocasional nas fazendas; no mais, dependiam da caridade privada e da assistência pública municipal. Milhares dos mais vigorosos jovens desse estrato social alistavam-se no exército ou na marinha de Sua Majestade; muitos deles morriam ou voltavam mutilados dos combates; muitos mais morriam, sem glória, em virtude da dureza de uma bárbara disciplina, de doenças tropicais e de sífilis.
Milhares de outros, os mais audaciosos e mais brutais, infestavam o país vivendo como vagabundos, mendigos, andarilhos, ladrões e prostitutos. As autoridades não sabiam o que fazer com esses indivíduos, a não ser interná-los em asilos ou casas de correção. O apoio que o governo dava ao preconceito popular contra a introdução de novas invenções e de dispositivos que economizassem trabalho dificultava as coisas ainda mais.
O sistema fabril desenvolveu-se, tendo de lutar incessantemente contra inúmeros obstáculos. Teve de combater o preconceito popular, os velhos costumes tradicionais, as normas e regulamentos vigentes, a má vontade das autoridades, os interesses estabelecidos dos grupos privilegiados, a inveja das guildas. O capital fixo das firmas individuais era insuficiente, a obtenção de crédito extremamente difícil e cara. Faltava experiência tecnológica e comercial. A maior parte dos proprietários de fábricas foi à bancarrota; comparativamente, foram poucos os bem-sucedidos. Os lucros, às vezes, eram consideráveis, mas as perdas também o eram. Foram necessárias muitas décadas para que se estabelecesse o costume de reinvestir a maior parte dos lucros e a consequente acumulação de capital possibilitasse a produção em maior escala.
A prosperidade das fábricas, apesar de todos esses entraves, pode ser atribuída a duas razões. Em primeiro lugar, aos ensinamentos da nova filosofia social que os economistas começavam a explicar e que demolia o prestígio do mercantilismo, do paternalismo e do restricionismo. A crença supersticiosa de que os equipamentos e processos economizadores de mão de obra causavam desemprego e condenavam as pessoas ao empobrecimento foi amplamente refutada. Os economistas do laissez-faire foram os pioneiros do progresso tecnológico sem precedentes dos últimos duzentos anos.
Um segundo fator contribuiu para enfraquecer a oposição às inovações. As fábricas aliviaram as autoridades e a aristocracia rural de um embaraçoso problema que estas já não tinham como resolver. As novas instalações fabris proporcionavam trabalho às massas pobres que, dessa maneira, podiam ganhar seu sustento; esvaziaram os asilos, as casas de correção e as prisões. Converteram mendigos famintos em pessoas capazes de ganhar o seu próprio pão.
Os proprietários das fábricas não tinham poderes para obrigar ninguém a aceitar um emprego nas suas empresas. Podiam apenas contratar pessoas que quisessem trabalhar pelos salários que lhes eram oferecidos. Mesmo que esses salários fossem baixos, eram ainda assim muito mais do que aqueles indigentes poderiam ganhar em qualquer outro lugar. É uma distorção dos fatos dizer que as fábricas arrancaram as donas de casa de seus lares ou as crianças de seus brinquedos. Essas mulheres não tinham como alimentar os seus filhos. Essas crianças estavam carentes e famintas. Seu único refúgio era a fábrica; salvou-as, no estrito senso do termo, de morrer de fome.
É deplorável que tal situação existisse. Mas, se quisermos culpar os responsáveis, não devemos acusar os proprietários das fábricas, que — certamente movidos pelo egoísmo e não pelo altruísmo — fizeram todo o possível para erradicá-la. O que causava esses males era a ordem econômica do período pré-capitalista, a ordem daquilo que, pelo que se infere da leitura das obras destes historiadores, eram os "bons velhos tempos".
Nas primeiras décadas da Revolução Industrial, o padrão de vida dos operários das fábricas era escandalosamente baixo em comparação com as condições de seus contemporâneos das classes superiores ou com as condições atuais do operariado industrial. A jornada de trabalho era longa, as condições sanitárias dos locais de trabalho eram deploráveis.
A capacidade de trabalho do indivíduo se esgotava rapidamente. Mas prevalece o fato de que, para o excedente populacional — reduzido à mais triste miséria pela apropriação das terras rurais, e para o qual, literalmente, não havia espaço no contexto do sistema de produção vigente —, o trabalho nas fábricas representava uma salvação. Representava uma possibilidade de melhorar o seu padrão de vida, razão pela qual as pessoas afluíram em massa, a fim de aproveitar a oportunidade que lhes era oferecida pelas novas instalações industriais.
A ideologia do laissez-faire e sua consequência, a "Revolução Industrial", destruíram as barreiras ideológicas e institucionais que impediam o progresso e o bem-estar. Demoliram a ordem social na qual um número cada vez maior de pessoas estava condenado a uma pobreza e a uma penúria humilhantes. A produção artesanal das épocas anteriores abastecia quase que exclusivamente os mais ricos. Sua expansão estava limitada pelo volume de produtos de luxo que o estrato mais rico da população pudesse comprar. Quem não estivesse engajado na produção de bens primários só poderia ganhar a vida se as classes superiores estivessem dispostas a utilizar os seus serviços ou o seu talento. Mas eis que surge um novo princípio: com o sistema fabril, tinha início um novo modo de comercialização e de produção.
Sua característica principal consistia no fato de que os artigos produzidos não se destinavam apenas ao consumo dos mais abastados, mas ao consumo daqueles cujo papel como consumidores era, até então, insignificante. Coisas baratas, ao alcance do maior número possível de pessoas, era o objetivo do sistema fabril. A indústria típica dos primeiros tempos da Revolução Industrial era a tecelagem de algodão. Ora, os artigos de algodão não se destinavam aos mais abastados. Os ricos preferiam a seda, o linho, a cambraia. Sempre que a fábrica, com os seus métodos de produção mecanizada, invadia um novo setor de produção, começava fabricando artigos baratos para consumo das massas. As fábricas só se voltaram para a produção de artigos mais refinados, e portanto mais caros, em um estágio posterior, quando a melhoria sem precedentes no padrão de vida das massas tornou viável a aplicação dos métodos de produção em massa também aos artigos melhores.
Assim, por exemplo, os sapatos fabricados em série eram comprados apenas pelos "proletários", enquanto os consumidores mais ricos continuavam a encomendar sapatos sob medida. As tão malfaladas fábricas que exploravam os trabalhadores, exigindo-lhes trabalho excessivo e pagando-lhes salário de fome, não produziam roupas para os ricos, mas para pessoas cujos recursos eram modestos. Os homens e mulheres elegantes preferiam, e ainda preferem, ternos e vestidos feitos pelo alfaiate e pela costureira.
O fato marcante da Revolução Industrial foi o de ela ter iniciado uma era de produção em massa para atender às necessidades das massas. Os assalariados já não são mais pessoas trabalhando exaustivamente para proporcionar o bem-estar de outras pessoas; são eles mesmos os maiores consumidores dos produtos que as fábricas produzem. A grande empresa depende do consumo de massa. Em um livre mercado, não há uma só grande empresa que não atenda aos desejos das massas. A própria essência da atividade empresarial capitalista é a de prover para o homem comum. Na qualidade de consumidor, o homem comum é o soberano que, ao comprar ou ao se abster de comprar, decide os rumos da atividade empresarial. Na economia de mercado não há outro meio de adquirir e preservar a riqueza, a não ser fornecendo às massas o que elas querem, da maneira melhor e mais barata possível.
Ofuscados por seus preconceitos, muitos historiadores e escritores não chegam a perceber esse fato fundamental. Segundo eles, os assalariados labutam arduamente em benefício de outras pessoas. Nunca questionaram quem são essas "outras" pessoas.
O Sr. e a Sra. Hammond [citados na nota de referência número 2] nos dizem que os trabalhadores eram mais felizes em 1760 do que em 1830.[5] Trata-se de um julgamento de valor arbitrário. Não há meio de comparar e medir a felicidade de pessoas diferentes, nem da mesma pessoa em momentos diferentes.
Podemos admitir, só para argumentar, que um indivíduo nascido em 1740 estivesse mais feliz em 1760 do que em 1830. Mas não nos esqueçamos de que em 1770 (segundo estimativa de Arthur Young) a Inglaterra tinha 8,5 milhões de habitantes, ao passo que em 1830 (segundo o recenseamento) a população era de 16 milhões.[6] Esse aumento notável se deve principalmente à Revolução Industrial. Em relação a esses milhões de ingleses adicionais, as afirmativas dos eminentes historiadores só podem ser aprovadas por aqueles que endossam os melancólicos versos de Sófocles: "Não ter nascido é, sem dúvida, o melhor; mas para o homem que chega a ver a luz do dia, o melhor mesmo é voltar rapidamente ao lugar de onde veio".
Os primeiros industriais foram, em sua maioria, homens oriundos da mesma classe social que os seus operários. Viviam muito modestamente, gastavam no consumo familiar apenas uma parte dos seus ganhos e reinvestiam o resto no seu negócio. Mas, à medida que os empresários enriqueciam, seus filhos começaram a frequentar os círculos da classe dominante. Os cavalheiros de alta linhagem invejavam a riqueza dos novos-ricos e se indignavam com a simpatia que estes devotavam às reformas que estavam ocorrendo. Revidaram investigando as condições morais e materiais de trabalho nas fábricas e editando a legislação trabalhista.
A história do capitalismo na Inglaterra, assim como em todos os outros países capitalistas, é o registro de uma tendência incessante de melhoria do padrão de vida dos assalariados. Essa evolução coincidiu, por um lado, com o desenvolvimento da legislação trabalhista e com a difusão do sindicalismo, e, por outro, com o aumento da produtividade marginal. Os economistas afirmam que a melhoria nas condições materiais dos trabalhadores se deve ao aumento da quota de capital investido per capita e ao progresso tecnológico decorrente desse capital adicional. A legislação trabalhista e a pressão sindical, na medida em que não impunham a concessão de vantagens superiores àquelas que os trabalhadores teriam de qualquer maneira, em virtude de a acumulação de capital se processar em ritmo maior do que o aumento populacional, eram supérfluas. Na medida em que ultrapassaram esses limites, foram danosas aos interesses das massas. Atrasaram a acumulação de capital, diminuindo assim o ritmo de crescimento da produtividade marginal e dos salários. Privilegiaram alguns grupos de assalariados às custas de outros grupos. Criaram o desemprego em grande escala e diminuíram a quantidade de produtos que os trabalhadores, como consumidores, teriam à sua disposição.
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Autores socialistas e intervencionistas costumam dizer que a história do industrialismo moderno, e especialmente a história da "Revolução Industrial" na Inglaterra, constitui uma evidência empírica da procedência da doutrina denominada "realista" ou "institucional", e refuta inteiramente o dogmatismo "abstrato dos economistas".
Os economistas negam categoricamente que os sindicatos e a legislação trabalhista possam e tenham beneficiado a classe dos assalariados e elevado o seu padrão de vida de forma duradoura. Porém, dizem os antieconomistas, os fatos refutaram essas ideias capciosas.
Segundo eles, os governantes e legisladores que regulamentaram as relações trabalhistas revelaram possuir uma melhor percepção da realidade do que os economistas. Enquanto a filosofia do laissez-faire, sem piedade nem compaixão, pregava que o sofrimento das massas era inevitável, o bom senso dos leigos em economia conseguia terminar com os piores excessos dos empresários ávidos de lucro. A melhoria da situação dos trabalhadores se deve, pensam eles, inteiramente à intervenção dos governos e à pressão sindical.
São essas ideias que impregnam a maior parte dos estudos históricos que tratam da evolução do industrialismo moderno. Os autores começam esboçando uma imagem idílica das condições prevalecentes no período que antecedeu a "Revolução Industrial". Naquele tempo, dizem eles, as coisas eram, de maneira geral, satisfatórias. Os camponeses eram felizes. Os artesãos também o eram, com a sua produção doméstica; trabalhavam nos seus chalés e gozavam de certa independência, uma vez que possuíam um pedaço de jardim e suas próprias ferramentas. Mas, aí, "a Revolução Industrial caiu como uma guerra ou uma praga" sobre essas pessoas.[2] O sistema fabril transformou o trabalhador livre em virtual escravo; reduziu o seu padrão de vida ao mínimo de sobrevivência; abarrotando as fábricas com mulheres e crianças, destruiu a vida familiar e solapou as fundações da sociedade, da moralidade e da saúde pública. Uma pequena minoria de exploradores impiedosos conseguiu habilmente subjugar a imensa maioria.
A verdade é que as condições no período que antecedeu à Revolução Industrial eram bastante insatisfatórias. O sistema social tradicional não era suficientemente elástico para atender às necessidades de uma população em contínuo crescimento. Nem a agricultura nem as guildas conseguiam absorver a mão de obra adicional. A vida mercantil estava impregnada de privilégios e monopólios; seus instrumentos institucionais eram as licenças e as cartas patentes; sua filosofia era a restrição e a proibição de competição, tanto interna como externa.
O número de pessoas à margem do rígido sistema paternalista de tutela governamental cresceu rapidamente; eram virtualmente párias. A maior parte delas vivia, apática e miseravelmente, das migalhas que caíam das mesas das castas privilegiadas. Na época da colheita, ganhavam uma ninharia por um trabalho ocasional nas fazendas; no mais, dependiam da caridade privada e da assistência pública municipal. Milhares dos mais vigorosos jovens desse estrato social alistavam-se no exército ou na marinha de Sua Majestade; muitos deles morriam ou voltavam mutilados dos combates; muitos mais morriam, sem glória, em virtude da dureza de uma bárbara disciplina, de doenças tropicais e de sífilis.
Milhares de outros, os mais audaciosos e mais brutais, infestavam o país vivendo como vagabundos, mendigos, andarilhos, ladrões e prostitutos. As autoridades não sabiam o que fazer com esses indivíduos, a não ser interná-los em asilos ou casas de correção. O apoio que o governo dava ao preconceito popular contra a introdução de novas invenções e de dispositivos que economizassem trabalho dificultava as coisas ainda mais.
O sistema fabril desenvolveu-se, tendo de lutar incessantemente contra inúmeros obstáculos. Teve de combater o preconceito popular, os velhos costumes tradicionais, as normas e regulamentos vigentes, a má vontade das autoridades, os interesses estabelecidos dos grupos privilegiados, a inveja das guildas. O capital fixo das firmas individuais era insuficiente, a obtenção de crédito extremamente difícil e cara. Faltava experiência tecnológica e comercial. A maior parte dos proprietários de fábricas foi à bancarrota; comparativamente, foram poucos os bem-sucedidos. Os lucros, às vezes, eram consideráveis, mas as perdas também o eram. Foram necessárias muitas décadas para que se estabelecesse o costume de reinvestir a maior parte dos lucros e a consequente acumulação de capital possibilitasse a produção em maior escala.
A prosperidade das fábricas, apesar de todos esses entraves, pode ser atribuída a duas razões. Em primeiro lugar, aos ensinamentos da nova filosofia social que os economistas começavam a explicar e que demolia o prestígio do mercantilismo, do paternalismo e do restricionismo. A crença supersticiosa de que os equipamentos e processos economizadores de mão de obra causavam desemprego e condenavam as pessoas ao empobrecimento foi amplamente refutada. Os economistas do laissez-faire foram os pioneiros do progresso tecnológico sem precedentes dos últimos duzentos anos.
Um segundo fator contribuiu para enfraquecer a oposição às inovações. As fábricas aliviaram as autoridades e a aristocracia rural de um embaraçoso problema que estas já não tinham como resolver. As novas instalações fabris proporcionavam trabalho às massas pobres que, dessa maneira, podiam ganhar seu sustento; esvaziaram os asilos, as casas de correção e as prisões. Converteram mendigos famintos em pessoas capazes de ganhar o seu próprio pão.
Os proprietários das fábricas não tinham poderes para obrigar ninguém a aceitar um emprego nas suas empresas. Podiam apenas contratar pessoas que quisessem trabalhar pelos salários que lhes eram oferecidos. Mesmo que esses salários fossem baixos, eram ainda assim muito mais do que aqueles indigentes poderiam ganhar em qualquer outro lugar. É uma distorção dos fatos dizer que as fábricas arrancaram as donas de casa de seus lares ou as crianças de seus brinquedos. Essas mulheres não tinham como alimentar os seus filhos. Essas crianças estavam carentes e famintas. Seu único refúgio era a fábrica; salvou-as, no estrito senso do termo, de morrer de fome.
É deplorável que tal situação existisse. Mas, se quisermos culpar os responsáveis, não devemos acusar os proprietários das fábricas, que — certamente movidos pelo egoísmo e não pelo altruísmo — fizeram todo o possível para erradicá-la. O que causava esses males era a ordem econômica do período pré-capitalista, a ordem daquilo que, pelo que se infere da leitura das obras destes historiadores, eram os "bons velhos tempos".
Nas primeiras décadas da Revolução Industrial, o padrão de vida dos operários das fábricas era escandalosamente baixo em comparação com as condições de seus contemporâneos das classes superiores ou com as condições atuais do operariado industrial. A jornada de trabalho era longa, as condições sanitárias dos locais de trabalho eram deploráveis.
A capacidade de trabalho do indivíduo se esgotava rapidamente. Mas prevalece o fato de que, para o excedente populacional — reduzido à mais triste miséria pela apropriação das terras rurais, e para o qual, literalmente, não havia espaço no contexto do sistema de produção vigente —, o trabalho nas fábricas representava uma salvação. Representava uma possibilidade de melhorar o seu padrão de vida, razão pela qual as pessoas afluíram em massa, a fim de aproveitar a oportunidade que lhes era oferecida pelas novas instalações industriais.
A ideologia do laissez-faire e sua consequência, a "Revolução Industrial", destruíram as barreiras ideológicas e institucionais que impediam o progresso e o bem-estar. Demoliram a ordem social na qual um número cada vez maior de pessoas estava condenado a uma pobreza e a uma penúria humilhantes. A produção artesanal das épocas anteriores abastecia quase que exclusivamente os mais ricos. Sua expansão estava limitada pelo volume de produtos de luxo que o estrato mais rico da população pudesse comprar. Quem não estivesse engajado na produção de bens primários só poderia ganhar a vida se as classes superiores estivessem dispostas a utilizar os seus serviços ou o seu talento. Mas eis que surge um novo princípio: com o sistema fabril, tinha início um novo modo de comercialização e de produção.
Sua característica principal consistia no fato de que os artigos produzidos não se destinavam apenas ao consumo dos mais abastados, mas ao consumo daqueles cujo papel como consumidores era, até então, insignificante. Coisas baratas, ao alcance do maior número possível de pessoas, era o objetivo do sistema fabril. A indústria típica dos primeiros tempos da Revolução Industrial era a tecelagem de algodão. Ora, os artigos de algodão não se destinavam aos mais abastados. Os ricos preferiam a seda, o linho, a cambraia. Sempre que a fábrica, com os seus métodos de produção mecanizada, invadia um novo setor de produção, começava fabricando artigos baratos para consumo das massas. As fábricas só se voltaram para a produção de artigos mais refinados, e portanto mais caros, em um estágio posterior, quando a melhoria sem precedentes no padrão de vida das massas tornou viável a aplicação dos métodos de produção em massa também aos artigos melhores.
Assim, por exemplo, os sapatos fabricados em série eram comprados apenas pelos "proletários", enquanto os consumidores mais ricos continuavam a encomendar sapatos sob medida. As tão malfaladas fábricas que exploravam os trabalhadores, exigindo-lhes trabalho excessivo e pagando-lhes salário de fome, não produziam roupas para os ricos, mas para pessoas cujos recursos eram modestos. Os homens e mulheres elegantes preferiam, e ainda preferem, ternos e vestidos feitos pelo alfaiate e pela costureira.
O fato marcante da Revolução Industrial foi o de ela ter iniciado uma era de produção em massa para atender às necessidades das massas. Os assalariados já não são mais pessoas trabalhando exaustivamente para proporcionar o bem-estar de outras pessoas; são eles mesmos os maiores consumidores dos produtos que as fábricas produzem. A grande empresa depende do consumo de massa. Em um livre mercado, não há uma só grande empresa que não atenda aos desejos das massas. A própria essência da atividade empresarial capitalista é a de prover para o homem comum. Na qualidade de consumidor, o homem comum é o soberano que, ao comprar ou ao se abster de comprar, decide os rumos da atividade empresarial. Na economia de mercado não há outro meio de adquirir e preservar a riqueza, a não ser fornecendo às massas o que elas querem, da maneira melhor e mais barata possível.
Ofuscados por seus preconceitos, muitos historiadores e escritores não chegam a perceber esse fato fundamental. Segundo eles, os assalariados labutam arduamente em benefício de outras pessoas. Nunca questionaram quem são essas "outras" pessoas.
O Sr. e a Sra. Hammond [citados na nota de referência número 2] nos dizem que os trabalhadores eram mais felizes em 1760 do que em 1830.[5] Trata-se de um julgamento de valor arbitrário. Não há meio de comparar e medir a felicidade de pessoas diferentes, nem da mesma pessoa em momentos diferentes.
Podemos admitir, só para argumentar, que um indivíduo nascido em 1740 estivesse mais feliz em 1760 do que em 1830. Mas não nos esqueçamos de que em 1770 (segundo estimativa de Arthur Young) a Inglaterra tinha 8,5 milhões de habitantes, ao passo que em 1830 (segundo o recenseamento) a população era de 16 milhões.[6] Esse aumento notável se deve principalmente à Revolução Industrial. Em relação a esses milhões de ingleses adicionais, as afirmativas dos eminentes historiadores só podem ser aprovadas por aqueles que endossam os melancólicos versos de Sófocles: "Não ter nascido é, sem dúvida, o melhor; mas para o homem que chega a ver a luz do dia, o melhor mesmo é voltar rapidamente ao lugar de onde veio".
Os primeiros industriais foram, em sua maioria, homens oriundos da mesma classe social que os seus operários. Viviam muito modestamente, gastavam no consumo familiar apenas uma parte dos seus ganhos e reinvestiam o resto no seu negócio. Mas, à medida que os empresários enriqueciam, seus filhos começaram a frequentar os círculos da classe dominante. Os cavalheiros de alta linhagem invejavam a riqueza dos novos-ricos e se indignavam com a simpatia que estes devotavam às reformas que estavam ocorrendo. Revidaram investigando as condições morais e materiais de trabalho nas fábricas e editando a legislação trabalhista.
A história do capitalismo na Inglaterra, assim como em todos os outros países capitalistas, é o registro de uma tendência incessante de melhoria do padrão de vida dos assalariados. Essa evolução coincidiu, por um lado, com o desenvolvimento da legislação trabalhista e com a difusão do sindicalismo, e, por outro, com o aumento da produtividade marginal. Os economistas afirmam que a melhoria nas condições materiais dos trabalhadores se deve ao aumento da quota de capital investido per capita e ao progresso tecnológico decorrente desse capital adicional. A legislação trabalhista e a pressão sindical, na medida em que não impunham a concessão de vantagens superiores àquelas que os trabalhadores teriam de qualquer maneira, em virtude de a acumulação de capital se processar em ritmo maior do que o aumento populacional, eram supérfluas. Na medida em que ultrapassaram esses limites, foram danosas aos interesses das massas. Atrasaram a acumulação de capital, diminuindo assim o ritmo de crescimento da produtividade marginal e dos salários. Privilegiaram alguns grupos de assalariados às custas de outros grupos. Criaram o desemprego em grande escala e diminuíram a quantidade de produtos que os trabalhadores, como consumidores, teriam à sua disposição.
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